Hoje em conversa com uma colega lembrei de uma discussão que tive há uns três anos por conta de um vale-cultura pago pelo governo aos docentes. Na ocasião eu me colocava contra a posição do sindicato em relação ao benefício, quando a discussão esquentou uma das pessoas envolvidas me disse em tom entre o irônico e o de acusação: "Você nasceu com um livro na mão!" Respondi ao exagero dizendo que eu lutava para que todos pudessem também nascer com um livro ao alcance.
Não, eu não nasci com livros nas mãos, mas minha memória da relação com eles é bem remota,; quando tinha três para quatro anos, minha irmã rasgou um livro que eu adorava, tinha o formato da Chapeuzinho Vermelho que carregava um potinho de mel de plástico preso numa cordinha dourada. Minha mãe comprou uma coleção linda e enorme com capa e páginas duras com títulos como "Viagem pelo Brasil do Indiozinho Amazonas" além de histórias clássicas como Pinóquio com o traço moderno dos anos 60 nos desenhos.
Outros livros inesquecíveis eu lia na casa da minha avó, tinham sido do meu pai, li o "Elefante Basílio" de Érico Veríssimo, um que tinha o Mickey com o traço antigo, além de "Geografia de Dona Benta" de Monteiro Lobato em uma edição muito antiga, além dos livros que não eram infantis como um da vida dos animais - esse era fonte de histórias que minha avó inventava- que tinha gravuras muito bonitas.
Lá em casa outros nada infantis também chamavam nossa atenção como "A Enciclopédia Médica do Lar" e a "Enciclopédia Sexual", ali do lado de Histórias Bíblicas e um de Língua Portuguesa com umas gravuras que me davam medo, o religioso com figuras assustadoras como a cabeça de João Batista e o de português com umas imagens greco-romanas estranhas.
O primeiro paradidático que li foi "Juca de Bicicleta" de Maria Clara Machado na primeira série em 74, o livro tinha sido impresso antes da reforma ortográfica e tinha palavras com acentos como "êle" e "estrêla" e minha professora Cláudia pedia para que riscássemos os sinais.
O primeiro livro que comprei com meu dinheiro foi "Confesso que Vivi" do Neruda, em 1985 numa feirinha de livros na Cinelândia, com meu dinheiro comprei também livros para minha irmã mais nova, "Milena Morena e as fadas desencantadas" que ela detestou porque era muito bobinho e "A Gangue do Beijo" de José Louzeiro e "Vito Grandam" do Ziraldo que ela adorou.
Futucava a biblioteca da faculdade e foi nela que encontrei "Cem Anos de Solidão" e fiquei doida com a história, nessa época andava sempre com um livro debaixo do braço. Acho que foi nesse tempo que passei a dormir sempre com um livro do lado, às vezes dois ou três e a mania contagiou meu filho que também não dorme sem ler um pouco antes.
Ele, aliás, é um leitor muito mais voraz que eu, já me passou a frente em quantidade e qualidade faz alguns anos e fico feliz em ter perdido essa "disputa", mas falar sobre ele e os livros deles é conversa pra muitas páginas. Agora tem também Dorinha que começa a ler e ter suas preferências.
Acabei de ler "Amor e Dedinhos de Pé" de Henrique de Senna Fernandes e comecei "Mulherzinhas" de Louisa May Alcott, na fila está "A Janela de Esquina do Meu Primo" de E.T.A. Hoffmann e "Memórias de Eugênia" que vou trabalhar com alunos, além da releitura de "Quase Memória" do Cony.
Essa conversa de livros veio à tona porque o tal vale-cultura virá de novo, parcos quinhentos reais que suscitaram tanta discussão entre comprar livros e ir ao teatro e cinema ou comprar panelas e alguns quilos de feijão com arroz. Pouquinho, dá para comprar pouco mais de doze livros, considerando uma média de quarenta reais por livro. Pouquinho,mas ajuda a estante.
A conversa serviu para matar saudade de alguns livros queridos que estavam guardados no fundinho da memória. Se não me definem, os livros fazem parte da minha história e isso não é um problema.